Qual tipo de tênis escolher para correr? Parte 3
Hoje publico a última parte da série de postagens que são a tradução adaptada (não literal) de textos que tratam sobre calçados de corrida, escritos por Jim Hixson e que podem ser encontrados no site www.naturalrunningcenter.com.
Vejamos a terceira parte.
Esta claro que os calçados minimalistas “estão bem vivos”. Este tipo de calçado está prosperando muito mais do que as pessoas que se opõem a eles e do que as revistas especializadas podem nos fazer acreditar. Enquanto tênis maximalistas assumiram as paredes de exposição de muitas lojas de calçados, ainda há uma abundância de opções para a opção minimalista e para o estilo de vida com os pés descalços e saudáveis (Altra, Lems, Skora, Sapatos Xero, Merrell, Newton, TOPO Athletic, Vibram FiveFingers e Vivo Barefoot).
As duas partes anteriores desse texto geraram uma série de comentários realmente inteligentes e úteis. Sou grato a todos que dedicaram seu tempo para responder às diferentes ideias que apresentei sobre tênis e técnica de corrida.
Na terceira parte pretendo expandir a discussão e assim deixar as coisas mais claras. A maioria dos comentários focados na correlação entre calçados de corrida e lesão mostram que uma técnica deficiente é a receita para uma lesão. E também que a técnica é afetada pelo tênis. Embora existam outras variáveis, o que se usa nos pés define que vai acontecer o restante do seu corpo enquanto você está em movimento. Isso se se chama de cadeia cinética, quando seus músculos, articulações e nervos, devem trabalhar em conjunto para produzir movimento.
A seguir alguns comentários:
Os tênis minimalistas revelaram as falhas da minha técnica de corrida. – Ciaran Guilfoyle
Com os calçados minimalistas, a fascite plantar e outras lesões desapareceram, minha técnica erra relativamente boa, mas com os minimalistas se tornou muito melhor. – Rich Kerr
Após a troca para os tênis minimalistas minhas dores foram embora, hoje sinto que posso correr até os 100 anos (hoje tenho 50...comecei a usar os minimalistas a 3 anos atrás). - Chrissie
Na sociedade moderna, que esta baseada na pressa e nas coisas fixas, muitas pessoas não estão prontas para dedicar seu tempo e sua mente para aprender a caminhar ou correr de uma forma que seu corpo enfraquecido pode suportar. Eles simplesmente querem comprar a promessa de que o calçado vai fazer o trabalho por eles. – dXm99
Embora tenha havido uma boa quantidade de discussão em relação a melhorar a forma e a técnica nos últimos anos, nós poderíamos nos beneficiar gastando mais tempo na compreensão, identificação e combate às causas profundas de nossas falhas técnicas. – Tony Post, fundador e presidente da Topo Athletic
O período de transição é absolutamente crucial para qualquer um que queira trocar do tênis tradicionais para os minimalistas. – Danny Dreyer, fundador dos métodos ChiRunning e ChiWalging
(Danny está certo, corredores que fazem uma transição gradual e estão abertos aos benefícios de uma boa técnica de corrida apresentam menor incidência de lesões [como de lesões graves] enquanto aumentam sua eficiência e desempenho.)
O problema é que muitos estudos são realizados com corredores americanos, lidam com pés fracos e comprometidos. É claro que corredores terão lesões quando tiram seus pés do confinamento gerado pelos calçados tradicionais e colocam os minimalistas. Eles alteram seu padrão de movimento e tornam seus pés fracos. – Tim Brandson
Meu ponto de discordância em relação aos tênis modernos que são denominados de “tradicionais” é que não existe nada de tradicional em relação à borracha, quantidade de amortecimento e outros dispositivos de controle de movimento que os fabricantes utilizam. – Michael Nelson
Acredito que exista um consenso em relação aos pontos que suportam uma abordagem minimalista, são eles:
Humanos evoluíram para caminhar e correr descalços.
Correr é uma das duas formas naturais de locomoção dos seres humanos, a outra é caminhada.
Humanos têm corrido de pés descalços na maior parte da sua existência no planeta.
Mas muitos corredores não correm com os pés descalços, e isso gera diversas implicações. Primeira e mais importante, a maioria dos corredores tem um técnica pobre. A partir do momento que entendemos a importância da técnica correta para outros esportes, não consigo compreender por que frequentemente nos recusamos a reconhecer a importância da técnica correta na corrida. Infelizmente muitos corredores levam em consideração os “conselhos” e “recomendações” dos fabricantes de calçados, das lojas e revistas especializadas e também de alguns treinadores!
O Britânico Gordon Price, medalhista de prata nos 5000 metros nas Olimpíadas de Melbourne em 1956, dedicou sua vida a estudar o esporte. Em seu livro, “Running Fast and Injury Free”, escreveu: “Atletas que acessam somente as informações ruins sobre técnica de corrida divulgadas através das revistas de corrida e dos fabricantes de calçados, não podem trilhar o caminho da descoberta dos benefícios de um estilo correto de corrida. Treinadores cultivam noções equivocadas daquilo que constitui a técnica correta de corrida ou que se recusam a entender sua importância estão cerceando a habilidade de seus atletas e os levando as lesões.”
É verdade que alguns corredores fazem a transição do contato inicial do solo com o calcanhar para a abordagem com a porção medial ou anterior do pé apresentam alguma lesão, mas uma simples analise da cadeia de movimento revela que as causas dessas lesões poderiam ser prevenidas através de instrução adequada que considera os seguintes pontos:
O corredor na realidade não está fazendo o contato inicial com o solo com a porção medial ou anterior do pé e sim com o calcanhar.
Após o contato com a porção anterior do pé o corredor mantem o calcanhar sem tocar o solo e isso gera tensão exagerada sobre a musculatura da perna e sobre o tendão de Aquiles.
O pé toca o solo muito a frente do centro de massa o que gera tensão excessiva sobre os metatarsos.
Então, como fazer os corredores terem uma transição bem sucedida dos tênis tradicionais (que permitem a utilização do calcanhar como primeiro contato com o solo) para os minimalistas (que teoricamente “pregam” que esse contato inicial seja com a porção medial ou anterior do pé)? Eles necessitam estar conscientes da importância da técnica correta, observando:
Uma correta analise da sua cadeia de movimento e assim saberem de suas falhas na técnica de corrida.
Praticar regularmente a técnica correta enquanto são monitorados de perto.
Correr descalços ou com tênis que protejam seus pés, mas que não restrinjam seus movimentos naturais.
Nenhum destes pontos é enfatizado na maioria dos programas de corrida, a não ser for um programa para velocistas! Calçados afetam a forma de correr. Existem pessoas que vão concordar às vezes a contragosto, que a técnica afeta a taxa de lesões, mas não vão escutar os argumentos de que os calçados de corrida estão entre as principais variáveis correlacionadas com as lesões.
Tenho que admitir, esta reação é completamente confusa para mim, no mínimo do ponto de vista racional. Não imagino que algum engenheiro ou especialista em biomecânica poderia argumentar que os calçados não apresentam múltiplos efeitos sobre a técnica de corrida.
Percebi que algumas pessoas para comprar calçados leem revistas de corrida (que na sua maior parte são patrocinadas pelos anúncios dos fabricantes) ou escutam vendedores de calçados (que trabalham em lojas quase sempre dependentes dos fabricantes) ou ainda escutam os ortopedistas e podólogos (fortemente influenciados pela new Balance, Brooks e Asics), mas desconsideram o fato que não existe nenhuma maneira (chances são zero) de que os sapatos que usamos não afetem a maneira como sentimos e reagimos ao solo, não importa o que estamos fazendo, inclusive o simples ato de ficar em pé.
O Dr. Joseph Froncioni, cirurgião ortopedista e autor de “Athletic Footwear and Running Injuries”(2004), escreveu: "Ah...mais uma coisa: não escutem o cara da loja de tênis. Ele esta vendendo calçados de corrida sob a influência de uma poderosa máquina de propaganda da indústria. Ele passou por uma “lavagem cerebral” com os conceitos tradicionais de que todos nós precisamos de amortecimento e suporte para o arco do pé. Não acredite nele”.
Gordon Price também escreveu: “Muitos tênis de corridas atuais são desenvolvidos de uma maneira que impossibilitam que a técnica correta seja executada (portanto causam lesões crônicas nas pessoas que os utilizam). Existe um conceito equivocado de que os corredores devem tocar o solo primeiramente com o calcanhar e depois tocar o meio e a ponta do pé em cada uma das passadas. No desenvolvimento de seus calçados, muitas companhias pecam em assumir como correto esse conceito equivocado. O resultado é que os calçados de corrida se tornam maiores e mais desajeitados a cada ano. Longe de proteger os corredores, estes calçados limitam a habilidade dos corredores de correr adequadamente e como resultado podem estar contribuindo para a epidemia de lesões.”
Tênis minimalistas foram desenvolvidos para reverter essa tendência. Mas corredores e os fabricantes foram impacientes e a comercialização superou a ciência. Contudo, usar um calçado minimalista não torna automaticamente um corredor apto a executar a técnica correta, porém este objetivo é mais facilmente alcançado com um tênis minimalista do que usando um calçado com sola grossa e controle de movimento.
Não há como negar que calçados minimalistas incentivam a correr com a técnica correta. Idealmente, se usarmos calçados que simplesmente apresentam solas com proteção abrasiva para nossos pés, nossos corpos inteiros serão capazes de se moverem com a menor restrição possível e assim deveremos ser capazes de correr com técnica correta, desde que nós saibamos o que é a técnica correta.
Para que um corredor se torne proficiente pode ser considerado importante somente a necessidade de uma capacidade inata, mas muitos quilômetros e até mesmo anos são necessários para se dominar uma habilidade atlética complexa.
Durante uma transição gradual dos padrões de movimento corrompidos que tenham sido incentivados pelo uso dos tênis de corrida "tradicionais", o objetivo é criar novas memórias musculares com os pés não tendo suporte, o que permite que eles funcionem de forma mais natural.
Incidentalmente, muitas lesões relacionadas com a corrida não se limitam somente aos pés, mas também afetam as pernas, joelhos e quadris. Isso ocorre, pois a colocação e o posicionamento não natural dos pés leva todo o corpo à posição comprometida do ponto de vista biomecânico.
De fato o ponto mais afetado pelas lesões relacionadas com a corrida é o joelho, pois este necessita absorver de forma ineficiente o impacto gerado pelo posicionamento incorreto do pé quando usando calçados de corrida “tradicionais”.
O modelo Onitsuka Tigers foi um ícone nos primeiros anos da explosão da corrida, Então o que aconteceu?
É importante relembrar que os calçados “tradicionais” de corrida são uma invenção recente e que infelizmente são baseados em um projeto inicial equivocado. De fato, houve muitos corredores que estavam bastante satisfeitos com seus tênis leves e de sola fina dos anos 1960 e 1970 que não conseguiam entender por que alguém iria querer usar um par de calçados que mais pareciam uma bota lunar do que calçado de corrida.
É óbvio, que, apesar da popularidade dos calçados minimalistas durante vários anos atrás, a maioria dos corredores continuam a usar sapatos tradicionais e alguns ainda estão usando os calçados maximalistas.
Embora alguns corredores tenham sofrido lesões quando fizeram a transição do tênis tradicionais para os minimalistas, estas taxas são exageradas, porque a maioria significativa dos corredores lesionados estava correndo com uma técnica inadequada.
Quando os corredores correm com técnica correta, a incidência e a gravidade das lesões caem para um nível muito baixo; de fato, para o mesmo nível de lesões relacionadas com o funcionamento em esportes que são baseados em execução. Taxa é bastante reduzida.
Tony Post, fundador e presidente da Topo Athletic, comentou no site Natural Running Center: “O uso de calçados com solas grossas pode aliviar as dores de algumas pessoas enquanto elas correm. Eu estou certo que isso ajuda algumas pessoas a saírem para a rua e correr, isto é uma coisa boa. Mas no final, isso não ataca a raiz do problema e de fato pode obscurecer o problema real. Pessoalmente, eu acredito que a proteção e o confinamento dos pés nos calçados de solo grossa por períodos longos de tempo podem levar a atrofia da musculatura dos pés, reduzir a amplitude de movimento, reduzir a capacidade de propriocepção e gerar desequilíbrios musculares que iram se mostrar negativos ao correr. Uma vez que nos damos conta que o corpo funciona melhor em seu estado natural, nós entendemos os efeitos prejudiciais do suporte, restrição e perda de sensibilidade dos pés e também sobre toda a cadeia de movimento gerada pelas tecnologias modernas dos tênis tradicionais. Defender algo que reduz as lesões, aumenta a eficiência e melhora o desempenho não é esnobismo, assim como defender uma dieta que reduz as chances de hipertensão arterial e diabetes também não o é. É uma decisão racional com base em uma investigação lógica do tema”.
Espero que tenham gostado!
Abraço,
Carlinhos